Getaway ®

24/11/2009 at 12:09 PM 23 comentários

Estive em Santa Rosa, recentemente, para ministrar uma oficina de redação em uma escola particular. O grupo era formado por quase setenta jovens do ensino médio. Todos em fase pré-vestibular. Em comum, carregavam a vontade de morar sozinhos, longe da barra da saia dos pais e, de preferência, na capital.

Não foi diferente comigo na adolescência. Também tinha meus planos de fuga, especialmente da cidade que, vista de cima da minha arrogância juvenil, parecia-me pequena demais, patética demais, absurda demais para a belezinha que eu era.

Não fui estudar na capital. Levei bomba no vestibular porque, como em qualquer lugar do planeta, não estudei o suficiente. Acabei ficando pela região. Fiz, das cidades que me acolheram, Disneys fantásticas e repletas de faz-de-conta. Fiz amigos patetas, ambiciosos, trambiqueiros, românticos, ratões e, de mim, fiz um personagem que nem eu mesmo sei.

Depois de me jogar de um tobogã, fui para Porto Alegre. Como toda menina típica do interior, fiquei embasbacada com a cidade, encantada com as mil e uma possibilidades, com a vida frenética de pessoas que nunca se olham na cara.

Vivi lá por quase dez anos. E voltei para Santo Ângelo. E foi estranho, sim. Demorei para entender que o tamanho do lugar quem faz é a gente. E faz isso quando acorda de manhã. E repete quando sai para trabalhar. E faz de novo quando abraça uma causa, quando se envolve com o que vale a pena, quando defende as coisas que acredita e, especialmente, quando abandona a petulância de achar que somos muito.

É claro que sinto falta dos papos na Redenção, dos finais de tarde no Gasômetro, do Santander, do Margs, do Beira Rio, das batidinhas  de chocolate em Ipanema, do xis do Cavanhas, do Elis no Entreato, das sessões de cinema às dez da manhã, da Feira do Livro, das jantinhas regadas a vinho vela macarrão e risadas, dos dias intermináveis de chuva, dos ônibus lotados, dos táxis caros, dos assaltos, das pessoas desconfiadas, das distâncias, das manhãs solitárias, das crianças cheirando cola embaixo do viaduto da Borges, da saudade que eu sentia de casa e que jamais imaginaria acontecer.

Sim, baby, cair fora é necessário. Faça isso pelo menos uma vez na vida. Bote a mochila nas costas e pague para ver. Mas não faça isso porque precisa provar para o mundo o quanto você é descolado e como sua Harley Davidson imaginária comporta a sua estrada solitária. Não tem lugar como a casa da gente, acredite. Morar em uma cidade grande é uma delícia, mas a segurança do nosso porto não há vale transporte que pague.

Entry filed under: Perplexidades.

Aluguel ® Surdo ®

23 Comentários Add your own

  • 1. Marininha  |  24/11/2009 às 12:28 PM

    Aaaahhh… mas a gente sente saudade de ti aqui. Porto Alegre nunca mais será a mesma sem Marjorie Bier cantando Belle no alto da Duque!

    hahahahahaha

    Responder
    • 2. marjoriebier  |  24/11/2009 às 12:50 PM

      Vocês não perdoam… fiz isso UMA vez.

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  • 3. Rafael Dreweck  |  24/11/2009 às 12:41 PM

    hahahahahahahahahahahahaha

    E ela ficava girando de braços abertos, cantando quase sem voz aquela música do sapo… como era o nome???

    Linda!!!!

    Responder
    • 4. marjoriebier  |  24/11/2009 às 12:49 PM

      Zé Gracinha…

      Funny Little Frog

      =}

      Responder
  • 5. Renata  |  24/11/2009 às 2:21 PM

    BÁRBARO, Marjorie!

    “o tamanho do lugar quem faz é a gente”

    Um beijo,
    doce de lira

    Responder
    • 6. marjoriebier  |  24/11/2009 às 3:22 PM

      “Sou do tamanho daquilo que vejo…”

      Beijo, Re

      Responder
  • 7. Enrico  |  24/11/2009 às 3:11 PM

    ‘Quando abandona a petulância de achar que somos muito.”

    Bem tu mesmo! Admiro e respeito por isso também.

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    • 8. marjoriebier  |  24/11/2009 às 3:23 PM

      E não, é, Rico?!

      Mania de achar que é grande coisa quando, na verdade, não movimenta uma palha pra provar que isso é verdade!

      Responder
  • 9. Luana  |  24/11/2009 às 3:30 PM

    E não há nada MESMO que pague!

    Abrir os olhos… gosto desse te tom.

    Responder
    • 10. marjoriebier  |  24/11/2009 às 7:50 PM

      Lulu… já corri mundo de jeans e mochila, conheci os lugares mais lindos, gente incrível… mas, te conto, voltar pra casa e ver minha avó sorrindo é a coisa mais bonita que pode haver!

      Responder
  • 11. Ana  |  24/11/2009 às 4:45 PM

    Também nasci e cresci numa cidadezinha do interior do RS, bem pequeninha, chamada Lavras do Sul.
    Saí de lá para morar e cursar a faculdade de Direito em Santa Maria, com 17 anos. Foi uma “baita” mudança! Heheheh!
    Nunca mais voltei para a minha Lavras. Mas, pra falar a verdade, acho que nunca saí de lá.

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    • 12. marjoriebier  |  24/11/2009 às 7:49 PM

      Ana querida… a gente nunca sai… rsrsrsrs…

      Um beijo

      Responder
  • 13. Rafaela  |  24/11/2009 às 8:05 PM

    ai, eu tb, na infância. sempre quis fugir! mesmo q voltasse horas dps arrependida! rs
    mas não quer dizer q ainda não queira. só q, agora, não teria mais tanta graça: seria algo mais… oficial!
    vai ter de acontecer! shiva ouça-me!

    beso o/

    Responder
    • 14. marjoriebier  |  24/11/2009 às 8:07 PM

      Do it… a hora é agora (não naquela fase em que qualquer possibilidade vira salvadora da pátria… rsrsrsrs)

      Beijo

      Responder
  • 15. Paulo Rogério  |  25/11/2009 às 1:14 AM

    Eu acabei de deixar a Capital. Nem sei como sobrevivi lá. E ainda nem voltei pra casa. O seu texto parece retratar um pouco da angústia daqueles que não conseguem assimilar integralmente o sacrifício de viver numa cidade grande em cotejo com os benefícios do interior. Belo, Marjorie!

    Responder
    • 16. marjoriebier  |  25/11/2009 às 1:32 AM

      PR!

      Morei em várias capitais. Hoje, inclusive, na capital das Missões. Nenhum glamour a princípio, mas meus amigos estão aqui, meu trabalho fica a 10 minutos da minha casa, para ir ao cinema basta atravessar a rua e a cultura vem aprendendo a respirar. Não era o lugar certo naquele momento. Hoje, movimentando algumas engrenagens, vejo que faço parte de alguns processos bem importantes.

      Um dia eu volto para um grande centro, mas só depois de fazer tudo o que vim fazer aqui.

      Um beijo.

      Responder
  • 17. Ivan  |  25/11/2009 às 1:55 AM

    Estou pensando em ir pra Dubai. Será que lá presta?

    Marjorie Bier, como é que você pode sentir falta dos assaltos? Já sei! Você era assaltante! Acertei?

    Beijocas, meu bem.

    Ivan.

    Responder
    • 18. marjoriebier  |  25/11/2009 às 11:16 AM

      rsrsrs…

      Ivan, Ivan… na verdade, era um deboche às coisa nem tão bonitas que a cidade grande oferece!

      Baisers

      Responder
  • 19. Roberto  |  25/11/2009 às 2:05 PM

    Isso me faz lembrar a voz da Elba Ramalho: “Estou de volta pro meu aconchego…trazendo na mala bastante saudade…”

    Muito bem reverenciado esse capítulo que faz parte de nossas vidas.

    Responder
    • 20. marjoriebier  |  25/11/2009 às 3:10 PM

      AAAAhhhh… essa música é linda.

      Eu gosto da vida no interior, especialmente depois do wireless… rsrsrrs…

      Um dia eu volto, mas não agora!

      Responder
  • 21. Régis Antônio Coimbra  |  26/11/2009 às 9:31 AM

    Nasci e me criei em Porto Alegre. Não gosto de viajar pois me parece o trabalho de ir, gostar do destino, e ter de voltar. Então… por que sair de onde já estou?

    Gostei de Camaquã, onde passei alguns verões, na infância, na casa de um tio paterno; e no interior de Camaquã, onde ficava com avós emprestados. Gostei de Viamão, onde ficava alguns fins de semana, ora com avós paternos, ora com tios paternos. Gostei de Lajeado, onde trabalhei como psicanalista.

    Gostei de Canoas, Santa Maria, Bento Gonçalves, Teutônia, Passo Fundo, Pelotas, Florianópolis, Xapecó, Curitiba (embora desconfie que a população foi abduzida e substituída por robôs ou alienígenas…) São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Belo Horizonte. Essa lista é quase exaustiva.

    Em Lajeado, tive forte impressão de que as cidades em torno eram como bairros. Em Porto Alegre, ao menos, é mais fácil: vou (ou posso ir) de um bairro a outro caminhando. Não é raro eu caminhar mais de 12km num dia – ao menos é o que meu celular me diz.

    Morar em Porto Alegre é ser anônimo na maior parte da cidade. Mas se o mundo ou a cidade é grande, as tribos são pequenas. Onde costumo ir, geralmente encontro pessoas conhecidas e vice-versa. O máximo anonimato está em caminhar pelo centro, pela multidão anônima de pessoas aparentemente pobres e, portanto, de outras tribos.

    Por mais que eu também ande de ônibus, sempre, assim, vejo muitas pessoas pela primeira vez. Mas há também uma multidão de pessoas que são ou se simulam ricas, e alternativas, et cetera. Há multidões de tudo, até de esquisitos como eu.

    Responder
  • 22. mara  |  26/11/2009 às 1:48 PM

    Lindo!! Mas infelizmente não consigo me identificar! Talvez porque eu não tenha um LUGAR de refêrencia, mas uma PESSOA!! Meu “porto seguro” estará onde essa pessoa estiver!!

    Deixei o que se chama de lar com 13 anos, e, com certeza, não foi numa Harley Davidson imaginária, até porque nem sabia da existência desse “trem”!! Deixei minha “home, nem tão sweet home” montada (imagináriamente) no meu pangaré, já morto, Surubi, e fui ser uma cidadã do mundo!! “Morei em tantas casas que nem me lembro mais!”

    Mas meu lugar é onde a pessoa especial está!!
    Hoje moro na capital do estado, mas a pessoa está na Capital das Missões!!

    Já disse que sou sua fã Mar…jorie??
    Bjuusssss…

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    • 23. marjoriebier  |  26/11/2009 às 1:54 PM

      Também sou cidadã do mundo, baby… dividimos as casas que nem lembramos.

      Hoje estou também na capital das Missões. Por opção. Bem o contrário de quanto fui para a capital do estado ou para algumas capitais do mundo.

      (eu amo Porto Alegre, que fique claro, mas não agora)

      Responder

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